09/01/2011


Boa noite, senhoras e senhores. É um prazer imenso estar aqui hoje, para falar sobre cotas raciais e sociais. Fiquei muito feliz ao receber o convite, pois quando lecionava o que fiz durante 29 anos, já discutia com os meus alunos de 10 a 12 anos sobre as políticas públicas no Brasil para a garantia dos direitos dos grupos socialmente desfavorecidos e a promoção da igualdade racial e de gênero. Muito Obrigada!

Vamos buscar aqui compreender as questões que envolvem o medo, a falácia, o rancor, a justiça ou injustiça acirrada que giram em torno das cotas para negros nas Universidades. Não cabe aqui, demonstrar uma opinião formada sobre o sistema de cotas no Brasil, já que exige questionamentos pertinentes a serem levantados, pensados e discutidos por toda uma população brasileira, já que estamos em um governo democrático, ainda que questionável. Mas, fato é que, há questionamentos de peso e bem fundamentados vindos de todos os lados e, por hora, acredito ser prudente entender como esse tema é compreendido dentro de um universo muito maior que estende uma série de correções de nossa sociedade.

Os discursos favoráveis e desfavoráveis à política de cotas para negros são inúmeros, de acordo com RODRIGUES (2003, p. 8) o Brasil é um país diverso, certamente, o mais diverso e miscigenado do mundo. Se existe uma característica notória e constitutiva da nação Brasilis é a miscigenação. Diz-se: o Brasil é formado por negros, brancos e índios. Da mistura e da interação entre estas raças surgiram: o mulato, o cafuzo e o caboclo. É, pois, que o Brasil é uma nação que possui na diversidade a sua unidade. A unidade nacional é a síntese da miscigenação que constitui a própria nação. Desse modo, o Brasil não é nem branco, nem negro, nem indígena. O Brasil tem por identidade a diferença. O que identifica o povo brasileiro é justamente a diferença. Diferença esta que não diferencia, mas, pelo contrário, identifica. A unidade nacional é a identidade a partir da diferença. Somos todos brancos, negros e índios e, ao mesmo passo, não somos nenhum deles — somos todos brasileiros!

A história nos conta que nossa sociedade formou-se da interação das três raças. Entretanto, cada um no seu cada qual. O cada qual de cada um, não obstante, não foi resultante da arbitrariedade dos mesmos, mas, de um — o branco. O branco foi, é e há de continuar sendo o que é, se o Brasil continuar a ser o que é e sempre foi. A ordem é branca. O progresso é somente para os brancos. De há muito, branco já não mais diz uma tonalidade de cor, mas, a um modo de ser, agir e pensar. Esse modo de pensar, agir e ser refere-se à casta dominante de nosso país. Hoje, a ideologia impregnada por esta casta condicionou e possibilitou os negros e os índios embranquecerem. Se foi ou não por persuasão, ou mesmo, por iniciativa própria, é um debate que pode nos distanciar do real problema. É preciso, darmos importância ao presente — o que não quer dizer que devemos desconsiderar o passado e a história. Muito em contrapartida a isso, o que nos propomos é pensar o presente para fazermos viger o futuro. O futuro se constrói no presente. Só há o presente. Que este é resultante do passado não temos dúvida. Dúvida, também não temos de que o passado já não mais é, apesar de resguardar-se e manter-se retraído no presente. O nosso presente denota concretamente isto que acabamos de afirmar: as cotas para os negros no ensino superior é uma seqüela da história no presente.

Por cota, podemos entender quantia ou parcela de um todo. Situando no aqui tratado, este todo se refere às vagas das universidades públicas. Hoje, leis e mais leis, obrigam que os negros tenham acesso ao ensino superior por meio de cotas específicas do número total de vagas onde apenas pessoas de cor concorrem entre si. Isto é bom? Podemos achar isto racismo? Tal atitude é uma forma invertida de segregação? Todo e qualquer negro está apto a passar num vestibular? Se meditarmos seriamente, chegaremos à uma infinidades de questões.

Sensatamente, procuraremos nos prender num fio condutor: a realidade do negro. Vejamos: se o Brasil é um país desigual e a desigualdade mostra-se a partir das diferenças, e estas, por meio da realidade concreta de nossa sociedade, porque os negros estão recebendo esta “benção” de nossos legisladores e da própria sociedade? Por que a cota é um dentre outros atenuadores do racismo e do preconceito de nossa sociedade embranquecida.

As cotas não vão resolver os problemas dos negros. As cotas não deixam de ser uma medida válida, mas também, não tratam da questão com a dignidade e seriedade devida. — É um primeiro passo! Mas o povo, os carentes, os negros não serão atendidos pelas cotas. As cotas são benefícios — não temos dúvida. Agora, será que todos são beneficiados?

Meditemos: se, para fazer o vestibular é necessário ter no mínimo o nível médio e, para passar no mesmo, é necessário estar preparado para superar a avaliação e a concorrência, quantos negros carentes chegam a concluir o nível médio e destes, quantos têm condições de “passar” no vestibular? As cotas amenizam, mas não resolvem.

A sociedade brasileira precisa de ações que realmente tenham consistência social. Um “punhado” de negros carentes nas universidades não mudará muita coisa. O negro precisa de dignidade. O negro não quer ser diferenciado. O negro quer andar com as próprias pernas. Quer conquistar a partir de seus próprios passos. O negro quer oportunidade, contudo, não por ser negro, por ser de cor. O negro, o pobre, o carente querem ser. Querem ser como todos devem ser: como cidadãos. A cidadania não é expressa por cotas. As cotas não dão aos negros o direito à cidadania; é um paliativo. O negro quer escola, quer professores, quer infra-estrutura, quer a qualidade como princípio de justiça social. O negro quer ser cidadão sendo negro. O negro não quer privar-se de si mesmo para ser cidadão duma sociedade onde poucos têm o direito de assim ser. Uma vez mais frisamos: a cota é um primeiro passo, mas não é uma atitude que denota o acesso à cidadania de forma indistinta e coletiva. A cota é um paliativo, mas a verdadeira cura é a cidadania, a justiça e a igualdade social

Há uma parcela de pessoas que acreditam que somos muito parecidos geneticamente falando, entretanto, ao contrário da “democracia biológica” o preconceito e o racismo no Brasil estão pautados pela cor que o negro traz em sua pele e não no sangue que corre em suas veias e, se ainda existe a crença de que a única diferença entre os alunos que entram em uma universidade pública e aqueles que não ingressam, está pautada no esforço e dedicação que estes desprendem em sua preparação para o vestibular, gostaria que estes fizessem uma visita ao Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo e separassem os que não trabalham, os que não ajudam em casa e os que sustentam famílias, ou seja, possuem muito mais obrigações do que aquelas impostas pelo vestibular. A diferença está na dedicação? Aquele que ainda não ingressou no mercado de trabalho ou que não tem obrigações para com sua família é um maior merecedor da vaga na universidade porque se “dedicou”?

Convenhamos, se este poder fosse me dado, eu estaria muito mais propenso a colocar o aluno trabalhador em uma universidade, se o mérito for a dedicação, do que o aluno que pode dedicar-se integralmente ao vestibular tendo como estrutura educacional bons colégios particulares. Desta forma, cria-se a polêmica: os discursos contrários as cotas possuem ou não fundamento quando alegam que questão é social e não racial?

Os discursos contrários à política de cotas se pautam basicamente em dois elementos: o primeiro seria que ao invés do ingresso de negros através da política de cotas, o fundamental seria a melhoria substancial do ensino médio no Brasil que garantiria uma equiparação de saberes para os alunos que pretendem ingressar em uma universidade através do vestibular; e o segundo, como desdobramento do primeiro, seria que no Brasil a diferenciação entre os ingressantes em uma universidade e aqueles que não conseguem sucesso no vestibular estaria pautada na diferença econômica, ou seja, a entrada em uma universidade pública dependeria exclusivamente do poder aquisitivo do aluno e a economia despendida em sua formação escolar.


Estes dois argumentos fazem parte do discurso comum, daqueles que se pronunciam contrários ao sistema de cotas e que para muitos não possuem muita coisa a acrescentar; o primeiro argumento de que “é necessário uma melhoria do ensino no Brasil” que é um discurso de décadas, ou seja, aguarda-se a melhoria também a décadas, ao passo em que a exclusão permanece. Defendemos tal argumento e o que se apresenta como proposta para que isto se efetue?

Não peça aos movimentos de inserção do negro que abandonem suas políticas efetivas em troca da espera; não espere a acomodação na esperança da equiparação da formação escolar dos alunos oriundos de escolas públicas em relação aos oriundos de escolas particulares. A exclusão do negro da Universidade Pública é latente!

Percebam o perigo deste argumento, na medida em que nos reduz a paciente do processo, sendo que o que a comunidade negra no Brasil precisa é da aplicação de medidas imediatas, independente se for para reparação do mal que se faz até hoje a esta comunidade ou se para realmente começarmos a dar um fim a exclusão do negro no ensino superior brasileiro.

Sobre o segundo argumento que trata sobre a desigualdade social, é evidente que o pobre é que não consegue ingressar em uma universidade pública, entretanto mesmo entre os pobres, o número de negros pobres está 47% acima dos brancos, ou seja, existem mais pessoas miseráveis negras do que brancas, e entre estas, os negros são os de menor salário e poder aquisitivo; a remuneração para um mesmo cargo é diferente entre negros e brancos. A maioria (na realidade, uma minoria) dos alunos oriundos de escolas públicas que conseguem entrar em uma universidade pública no Brasil são brancos, ou seja, mesmo entre aqueles que conseguem vencer a diferença, os negros são minoria.

Entretanto, há de se questionar também que, a porcentagem citada acima deve ser analisada em termos populacionais. O Brasil é formado basicamente de negros, obviamente que existem mais pessoas miseráveis negras do que brancas, já que a grande maioria da população é negra.

Vocês que estudam em uma universidade, não interessa aqui se é uma universidade federal ou privada, reparem as suas voltas e vejam a gritante diferença entre o número de negros e brancos. Desigualdade Social? Também, mas muita desigualdade racial presente, isso é fato. Mas, devemos questionar o seguinte: se houvesse uma igualdade precisa (50% negros, 50% brancos), o racismo deixaria de existir? Os acadêmicos negros teriam embasamento teórico para acompanhar os conteúdos ministrados pela faculdade? Os alunos brancos oriundos de escola pública teriam o mesmo desempenho que os negros oriundos de escola particular? A questão é social? É racial? É educacional?

Recentemente lendo um artigo de um jornal universitário chamado Revelação da Universidade de Uberaba, onde havia uma citação defendendo a idéia de que biologicamente somos todos iguais e por isso não poderia se estabelecer as cotas e que o negro apenas precisaria de seu esforço e dedicação para ingressar em uma universidade pública!

Como dito anteriormente, a questão do negro na Universidade Pública no Brasil é bem mais complexa do que a simples compreensão da desigualdade social, polarizada entre pobre e ricos, compreensão esta que por muito tempo engessou e engessa as reivindicações de uma maior igualdade da comunidade negra no Brasil. É o discurso comum presente até mesmo dentro das universidades que por vocação, teriam de se libertar destas amarras.

Recentemente, a USP tem realizado obras na intenção de facilitar o acesso a universidade de alunos portadores de deficiências físicas; entretanto, os departamentos não estão preparados para receberem os alunos portadores de deficiências visuais, mesmo sendo estabelecido por lei a obrigatoriedade de tal adaptação. Seria justo interromper as obras visam facilitar o acesso de deficiente físicos visto que elas não contemplam os deficientes visuais? É justo suspender a política de cotas porque ela não da conta do todo?

Não se trata apenas de uma resposta afirmativa ou negativa sobre o tema levantado, mas da colocação dos vários temas que permeiam e ocultam as discussões sobre o preconceito, o racismo e a questão das cotas para negros no Brasil, do qual a política de cotas é apenas uma parte, mas que forçosamente por parte de alguns vem se transformando no todo.

Acredito plenamente que o ensino no Brasil deva ser repensado e reformado como um todo, garantindo uma melhoria na qualidade do ensino aplicado a comunidade carente que é a maioria deste país. O que não posso aceitar é que a espera da realização disto sufoque a questão da segregação racial das universidades públicas brasileiras. Assim como o negro, também estão os índios, os deficientes visuais, auditivos, físicos de qualquer natureza, mentais, os “diferentes” que vivem a margem e são minorias também discriminadas, que a exemplo do ocorrido com os movimentos negros, também tem o direito de reivindicar seus direitos e fazer valer sua voz. Somos vários os excluídos e somos realmente diferentes entre si.

O Sistema escolar, ao possibilitar o sucesso para aqueles que chegam com uma maior soma de capital cultural (investimentos da família), mantém e legitima as situações de desigualdade social e cultural entre os indivíduos e classes sociais, por que:
“para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, os métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante de cultura” (BOURDIEU, 1998:53).


Não acredito que a política de cotas seja um fim em si, muito pelo contrário, é ela que está estimulando todo o debate em torno do racismo no Brasil, e é a partir destas discussões que nascerão os rumos de muitas questões que hoje se colocam quase sem solução. O que não gosto de observar é o reducionismo a que certas pessoas submetem as cotas, o racismo e o negro no Brasil.

Apesar de se chamar Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo, o NCN atende em suas dependências, populações carentes oferecendo várias atividades e cursos tais como línguas (Espanhol, Inglês e Yorubá), alfabetização de adultos e um cursinho comunitário pré-vestibular que busca a inserção dos alunos carentes oriundos em sua maioria de escolas públicas nas Universidades Públicas brasileiras, alunos estes que são atendidos independentes da cor que tragam em sua pele, nos mostrando uma fácil lição, na qual se configuram como um centro de referência contra a discriminação Racial no Brasil e na luta pelas cotas, e trazem em seus projetos alunos das mais diferenciadas raças.

Àqueles que ainda insistem em perguntar, para seus padrões de cores eu sou classificada como branca e não estou legislando em causa própria, mas em função daquilo que considero justo. Sou negra. Não nego minhas origens.

Então vamos a hipótese ideal. Notemos que, quando se afirma que “não se deveriam estabelecer cotas para negros, pois é subestimar-lhes a inteligência, porque é dizer que eles não têm condições intelectuais equivalentes aos brancos para disputar em igual nível as vagas nas universidades”, é para alguns dizer o mesmo que, as cotas visam igualar as condições intelectuais. Observemos, por esta razão, o quão racista é este argumento. Ora, se até recentemente o efetivo percentual de negros nas universidades públicas era baixíssimo e a população que diz que a função das cotas é igualar em nível de disputa, está, então, automaticamente, dizendo que os negros são menos inteligentes e não tinham, por este motivo, significativo número de vagas naquelas instituições.

Há na verdade, uma outra leitura dessa retórica, onde percebe-se que o texto não afirma que os negros são menos inteligentes mas, como uma grande parcela de brancos que possuem um poder aquisitivo baixo e não tiveram acesso ao conteúdo lecionado nas escolas particulares, também os negros de baixa renda não os possuíram, desta forma, não há como concorrer em pé de igualdade, não por questão de inteligência, mas por falta de conhecimento acadêmico.

Tudo o que disse, porém, não justifica a existência de cotas, apenas põe evidente a necessidade de reparação aos negros de alguma maneira. Se as cotas são o método melhor de fazer isso, não pretendemos afirmá-lo nem negá-lo. Entretanto, reiteramos ser necessário reparar sim, afirmamo-lo sem escrúpulos, esta dívida que tem o Estado brasileiro para com aqueles sobreditos, tanto quanto para com os índios, os deficientes físicos e outras minorias, embora haja proporções muito distintas de prejuízo entre estes todos.

O que é verdadeiro, sem dúvida, é que, todos os argumentos (a favor ou contra) é superficial em sua análise porque obviamente a discussão a respeito das políticas afirmativas deve ser mais profunda.


Devemos, nós todos, brasileiros, estar atentos aos perigos do que nos tenta veicular a mídia; fazê-lo confiando a verdade à associação entre a nossa capacidade de discernimento e as diversas fontes de informação, e nunca aos veículos comunicativos de massa, apenas. Pois assim, pensando por nós e escutando dois lados ou mais lados de uma questão, e nos manifestando de alguma forma (como faço ao redigir este texto), estaremos gozando da liberdade democrática e exercendo-a ao mesmo tempo.


OS DEZ MITOS SOBRE AS COTAS

1. Na visão, entre outros juristas, dos ministérios do STF, Marco Aurélio de Mello, Antonio Bandeira de Mello e Joaquim Barbosa Gomes, o principio constitucional da igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei. A igualdade de fato é tão somente um alvo a ser atingido, devendo ser promovida, garantindo a igualdade de oportunidades como manda o art. 3º da mesma Constituição Federal. As políticas públicas de afirmação de direitos são, portanto, constitucionais e absolutamente necessárias.

2. Vivendo numa das sociedades mais injustas do planeta, onde o “mérito acadêmico” é apresentado como o resultado de avaliações objetivas e não contaminadas pela profunda desigualdade social existente. 0 vestibular está longe de ser uma prova equânime que classifica os alunos segundo sua inteligência. As oportunidades sociais ampliam e multiplicam as oportunidades educacionais.


3. É um grande erro pensar que, no campo das políticas públicas democráticas, os avanços se produzem por etapas seqüenciais: primeiro melhora a educação básica e depois se democratiza a universidade. Ambos os desafios são urgentes e precisam ser assumidos enfaticamente de forma simultânea.

4. Diversos estudos mostram que, nas universidades onde as cotas foram implementadas, não houve perda da qualidade do ensino. Universidades que adotaram cotas (como Uneb, UnB, UFBA e UERJ) demonstraram que o desempenho acadêmico entre cotistas e não cotista é o mesmo, não havendo diferenças consideráveis. Por outro lado, como também evidenciam numerosas pesquisas, o estímulo e a motivação são fundamentais para o bom desempenho acadêmico.


5. Diversas pesquisas de opinião mostram que houve um progressivo e contundente reconhecimento da importância das cotas na sociedade brasileira. Mais da metade dos reitores das universidades federais, segundo ANDIFES, já é favorável às cotas. Pesquisas realizadas pelo Programa Políticas da cor, na ANDEP e na ANPOCS, duas das mais importantes associações cientificas do Brasil, bem como em diversas universidades públicas, mostram o apoio da comunidade acadêmica às cotas, inclusive entre os professores dos cursos denominados “mais competitivos“ (medicina, direito, engenharia etc). Alguns meios de comunicação e alguns jornalistas têm fustigado as políticas afirmativas e particularmente, as cotas. Mas isso não significa, obviamente, que a sociedade brasileira as rejeita.

6. Somos, sem dúvida nenhuma, uma sociedade mestiça, mas o valor dessa mestiçagem é meramente retórico no Brasil. Na cotidianidade, as pessoas são descriminadas pela sua cor, sua etnia, sua origem, seu sotaque, seu sexo e sua opção sexual. Quando se trata de fazer uma política pública de afirmação de direitos, nossa cor magicamente desmancha. Mas, quando pretendemos obter um emprego, uma vaga na universidade ou, simplesmente, não ser constrangidos por arbitrariedades de todo tipo, nossa cor torna-se um fator crucial para a vantagem de alguns e desvantagem de outros. A população negra é descriminada porque grande parte dela é pobre, mas também pela cor da sua pele. No Brasil, quase a metade da população é negra. E grande parte dela é pobre, discriminada e excluída. Isto não é uma mera coincidência.


7. Esta é, quiçá, uma das mais perversas falácias contra as cotas. O projeto atualmente tramitando na câmara dos Deputados, PL 73/99, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, favorece os alunos e alunas oriundos das escolas públicas, colocando como requisito uma representatividade racial e étnica equivalente á existente na região onde esta situada cada universidade. Trata-se de uma criativa proposta onde se combinam os critérios sociais, raciais e étnicos. É curioso que setores que nunca defenderam o interesse dos setores populares ataquem as cotas porque agora, segundo dizem os pobres perderão oportunidades que nunca lhes foram oferecidas. O projeto de Lei 73/99 é avanço fundamental na construção da justiça social no país e na luta contra a discriminação social, racial e étnica.

8. O Brasil está longe de ser uma democracia racial. No mercado de trabalho, na política, na educação, em todos os âmbitos, os/as negros/as têm menos oportunidades e possibilidades que a população branca. O racismo no Brasil está imbricado nas instituições públicas e privadas. E age de forma silenciosa. As cotas não criam o racismo. Ele já existe. As cotas ajudam a colocar em debate sua perversa presença, funcionando como uma efetiva medida anti-racista.

9. Cotas e estratégias efetivas de permanência fazem parte de uma mesma política pública. Não se trata de fazer uma ou outra, senão ambas.as cotas não solucionam todos os problemas da universidade, são apenas ferramenta eficaz na democratização das oportunidades de acesso ao ensino superior para um amplo setor da sociedade excluído historicamente do mesmo. É evidente que as cotas, sem uma política de permanência, correm sérios riscos de não atingir sua meta democrática.

10. Argumentações deste tipo não são freqüentes entre a população negra e, menos ainda, entre os alunos e alunas cotistas. As cotas são consideradas por eles, como uma vitória democrática, não como uma derrota na sua auto-estima, ser cotista é hoje um orgulho para estes alunos e alunas. Porque, nessa condição, há um passado de lutas, de sofrimento, de derrotas e, também, de conquistas. Há um compromisso assumido. Há um direito realizado. Hoje, como no passado, os grupos excluídos e discriminados se sentem mais e não menos reconhecidos socialmente quando seus direitos são afirmados,  quando a lei cria condições efetivas para lutar contra as diversas formas de segregação. A multiplicação, nas nossas universidades, de alunos e alunas pobres, de jovens negros e negras, filhos e filhas das mais diversas comunidades indígenas é um orgulho para todos eles.
Palestrante Jalva de Fátima Ribeiro na Semana da Consciência Negra 2010

04/01/2011

A Casa de Referência a Cultura Afro Brasileira agradece a participação de todos os movimentos culturais e os apoios nas realizações que aconteceram em 2010. E neste ano de 2011 contamos novamente com todos na realização dos projetos que virão.


AXÉ E UM ALAFIM A TODOS.